segunda-feira, 29 de junho de 2020

Sala de Leitura - Semanas 29 de junho a 17 de julho - Todas as Turmas



CEM ANOS DE PERDÃO

Quem nunca roubou não vai me entender. E quem nunca roubou rosas, então é

que jamais poderá me entender. Eu, em pequena, roubava rosas.

Havia em Recife inúmeras ruas, as ruas dos ricos, ladeadas por palacetes que

ficavam no centro de grandes jardins. Eu e uma amiguinha brincávamos muito de

decidir a quem pertenciam os palacetes. "Aquele branco é meu." "Não, eu já disse

que os brancos são meus." Parávamos às vezes longo tempo, a cara imprensada

nas grades, olhando.

Começou assim. Numa dessas brincadeiras de "essa casa é minha", paramos

diante de uma que parecia um pequeno castelo. No fundo via-se o imenso pomar.

E, à frente, em canteiros bem ajardinados, estavam plantadas as flores.

Bem, mas isolada no seu canteiro estava uma rosa apenas entreaberta cor-de-

rosa-vivo. Fiquei feito boba, olhando com admiração aquela rosa altaneira que nem

mulher feita ainda não era. E então aconteceu: do fundo de meu coração, eu queria

aquela rosa para mim. Eu queria, ah como eu queria. E não havia jeito de obtê-la.

Se o jardineiro estivesse por ali, pediria a rosa, mesmo sabendo que ele nos

expulsaria como se expulsam moleques. Não havia jardineiro à vista, ninguém. E as

janelas, por causa do sol, estavam de venezianas fechadas. Era uma rua onde não

passavam bondes e raro era o carro que aparecia. No meio do meu silêncio e do

silêncio da rosa, havia o meu desejo de possuí-la como coisa só minha. Eu queria

poder pegar nela. Queria cheirá-la até sentir a vista escura de tanta tonteira de

perfume.

Então não pude mais. O plano se formou em mim instantaneamente, cheio de

paixão. Mas, como boa realizadora que eu era, raciocinei friamente com minha

amiguinha, explicando-lhe qual seria o seu papel: vigiar as janelas da casa ou a

aproximação ainda possível do jardineiro, vigiar os transeuntes raros na rua.

Enquanto isso, entreabri lentamente o portão de grades um pouco enferrujadas,

contando já com o leve rangido. Entreabri somente o bastante para que meu esguio

corpo de menina pudesse passar. E, pé ante pé, mas veloz, andava pelos

pedregulhos que rodeavam os canteiros. Até chegar à rosa foi um século de

coração batendo.

Eis-me afinal diante dela. Para um instante, perigosamente, porque de perto ela é

ainda mais linda. Finalmente começo a lhe quebrar o talo, arranhando-me com os

espinhos, e chupando o sangue dos dedos.

E, de repente - ei-la toda na minha mão. A corrida de volta ao portão tinha também

de ser sem barulho. Pelo portão que deixara entreaberto, passei segurando a rosa.

E então nós duas pálidas, eu e a rosa, corremos literalmente para longe da casa.

O que é que fazia eu com a rosa? Fazia isso: ela era minha.




Levei-a para casa, coloquei-a num copo d'água, onde ficou soberana, de pétalas

grossas e aveludadas, com vários entretons de rosa-chá. No centro dela a cor se

concentrava mais e seu coração quase parecia vermelho.

Foi tão bom.

Foi tão bom que simplesmente passei a roubar rosas. O processo era sempre o

mesmo: a menina vigiando, eu entrando, eu quebrando o talo e fugindo com a rosa

na mão. Sempre com o coração batendo e sempre com aquela glória que ninguém

me tirava.

Também roubava pitangas. Havia uma igreja presbiteriana perto de casa, rodeada

por uma sebe verde, alta e tão densa que impossibilitava a visão da igreja. Nunca

cheguei a vê-la, além de uma ponta de telhado. A sebe era de pitangueira. Mas

pitangas são frutas que se escondem: eu não via nenhuma. Então, olhando antes

para os lados para ver se ninguém vinha, eu metia a mão por entre as grades,

mergulhava-a dentro da sebe e começava a apalpar até meus dedos sentirem o

úmido da frutinha. Muitas vezes na minha pressa, eu esmagava uma pitanga

madura demais com os dedos que ficavam como ensanguentados. Colhia várias

que ia comendo ali mesmo, umas até verdes demais, que eu jogava fora.

Nunca ninguém soube. Não me arrependo: ladrão de rosas e de pitangas tem 100

anos de perdão. As pitangas, por exemplo, são elas mesmas que pedem para ser

colhidas, em vez de amadurecer e morrer no galho, virgens.

CLARICE LISPECTOR

Atividade I


 Releia o texto Cem Anos de Perdão e observe os aspectos
descritivos, o ambiente o objeto de desejo da personagem.
 Crie uma ilustração que represente o texto lido. Seja criativo!
Você pode fazer uma colagem, mosaico, pode usar papel
picado, o importante é deixar a criatividade fluir.
 Tire uma foto do seu desenho e poste no blog ou mande no
WhatsApp da professora Luciana (991052780) com o título
“Cem Anos de Perdão”. Bom trabalho!


Atividade II


 Agora você será desafiado a buscar em suas memórias de
infância algo que você tenha feito e que também mereça
“Cem Anos de Perdão”, segundo a sua opinião. Escreva um
texto com o mesmo título contando a sua história.
 Lembre-se de que os aspectos descritivos são importantes
para que o leitor possa criar imagens sobre os ambientes,
pessoas, objetos, cenários, sentimentos... Capriche!!!
 Tire uma foto e poste no blog ou mande no WhatsApp da
professora Luciana (991052780)

Atividade III
 Crie uma ilustração que represente o texto que você
escreveu. Seja criativo! Você pode fazer uma colagem,
mosaico, pode usar papel picado, o importante é deixar a
criatividade fluir.
 Tire uma foto do seu desenho e poste no blog ou mande no
WhatsApp da professora Luciana (991052780) com o título
“Cem Anos de Perdão”. Bom trabalho!

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